Os ciclistas de Sampa estão ansiosos pelos próximos dias: em 28 de junho de 2015, data que será considerada um marco na história do ciclo-ativismo paulistano (para não dizer da história da mobilidade e urbanização da cidade), vai ser inaugurada a ciclovia da Avenida Paulista!
A exemplo do que ocorreu na histórica bicicletada de 27 de março de 2015 – que protestava justamente contra a ordem judicial que havia determinado a paralisação das obras cicloviárias na capital – a Prefeitura imagina que uma multidão de ciclistas vai tomar conta da Avenida, em dimensão muito superior ao que caberia na ciclovia (ou mesmo nela e nas ciclofaixas de lazer).
Então, qual seria uma boa solução para garantir a segurança de todos? Impedir a passagem dos veículos automotores e reservar todo o espaço para que ciclistas e pedestres possam comemorar. E olha só: já seria um teste para repetir a experiência em outros domingos.
Aí, veio a divulgação na imprensa:
E na sequência, além do esperado chororô dos que não largam o carro nem para ir até a esquina, veio a comemoração não só dos ciclistas, mas das pessoas que enxergam o enorme potencial da mais paulista das avenidas como uma grande área de lazer e convivência humana: “Vocês viram que bacana? Querem fechar a Paulista aos domingos!”
Mas não há alguma coisa errada nessa fala? E em todas as manchetes…
A nossa cultura é tão carrocêntrica que mesmo aqueles que em certa medida já conseguiram se livrar da dependência do automóvel acabam se traindo pelo discurso.
A Avenida Paulista já é fechada, todos os dias, de segunda a segunda. Nela só podem circular veículos automotores e – com muita relutância – as bicicletas. As pessoas são obrigadas a se restringir às calçadas e, de vez em quando, somente de forma ordenada e num espaço de tempo curto, podem atravessar de um lado a outro. Se demorarem ou pararem, correm o risco de ficarem ilhadas bem no centro ou, na pior das hipóteses, serem atropeladas.
“Discordo! A Paulista é uma avenida! A função dela é servir de fluxo para os carros. Se a pessoa quer andar, ela pode ir a um parque, que serve somente pra isso, certo?”
Bom, então vamos colocar as coisas em perspectiva histórica: qualquer cidade com mais de cem anos não foi pensada para carros. Já existiam ruas e avenidas, e elas não se destinavam aos carros, porque eles eram pouquíssimos, e sequer existiam na maioria dos lugares. A Avenida Paulista, por exemplo, foi inaugurada em 8 de dezembro de 1891 – mais ou menos na mesma época em que o primeiro automóvel chegava ao Brasil.
Pouco a pouco, com a força e propaganda da indústria automotiva, as ruas foram sendo proibidas para as pessoas, cada vez mais empurradas para as calçadas, para facilitar a fluidez dos carros. Portanto, quem tomou as ruas das pessoas foram os automóveis.
A rua é, por excelência, o espaço natural de convivência. É onde ocorre a vida nas cidades. Se você a devolve para as pessoas, elas voltam a ocupar esse espaço. E se elas estão nas ruas, o espírito da cidade muda: a convivência se aprimora, a segurança melhora. Até mesmo o impacto na saúde é positivo! (Não é à toa que em São Paulo, os níveis de ansiedade e depressão são equivalentes ao de uma zona de guerra. Uma revolução urbanística é parte do necessário para caminhar na direção contrária desses índices).
Essa tendência – de devolver a cidade às pessoas – nasceu no pioneirismo da escola urbanística de Copenhague, nos anos 60, mas só agora, a partir dos anos 2000, começou a ganhar maior força no resto do mundo. Times Square, em Nova York, foi fechada. Na Europa, Madrid e Paris já decidiram fechar seus centros para os automóveis. Hamburgo, Bogotá, Buenos Aires, Helsinki, Londres… inúmeras cidade empreendem esforços para restringir o uso de carros e estimular o uso do espaço urbano por pessoas. Dublin é a mais nova na lista. E desejamos – esperamos – que São Paulo faça parte dela.
Aos alarmistas, é claro que ônibus continuarão chegando à região (e cruzando a avenida, pois o fluxo da Brigadeiro não seria interrompido). É claro, também, que acessos emergenciais (em especial aos hospitais) não serão impedidos.
Felizmente, São Paulo está na direção correta. Permitir a abertura da Paulista, ainda que só aos domingos, seria um grande passo na construção de uma cidade mais humana, menos irritadiça, menos depressiva.