Falta de planejamento nas ciclovias? A decisão do Desembargador Marcos Pimentel Tamassia: uma aula sobre bicicletas na cidade.

Na última semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão anterior sobre a implantação da rede cicloviária da capital paulista, ao permitir que a Prefeitura continue instalando as ciclovias.

O trecho que chamou mais atenção do texto é o que a implantação “não está sendo feita a esmo e sem qualquer estudo”. A frase foi destacada na imprensa, não só por ser um balde de água fria nas pretensões do Ministério Público, o qual queria ver as obras paradas e as ciclovias desfeitas, mas por contrariar frontalmente aquele que se tornou um dos principais mantras do discurso anti-cicloviário: falta de planejamento… falta de planejamento… falta de planejamento…

Essa já é pelo menos a terceira decisão sobre o assunto, o que acaba causando muita confusão para quem não está acostumado com os trâmites da justiça. Então vamos tentar resumir o que aconteceu:

  • O Ministério Público, representado pela Promotora de Justiça Camila Mansour da Silveira, move uma Ação Civil Pública contra a Prefeitura, contestando o método de implantação das ciclovias por “falta de estudos técnicos profundos e detalhados” (olha ela aí – a “falta de planejamento”). Questiona também a promoção da bicicleta como meio de transporte, a não realização de ampla discussão com a população e a especificação dos benefícios e dos prejuízos. Pede não só que as obras sejam interrompidas, mas desfeitas.
  • O juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 5ª Vara da Fazenda Pública, sem ouvir a Prefeitura, entende que algumas das alegações do Ministério Público fazem sentido, e determina que todas as obras cicloviárias da cidade sejam paradas (exceto a da Avenida Paulista);
  • A Prefeitura entra no processo, apresenta a documentação, e pede para o juiz reconsiderar a decisão. Ele diz que “quase muda seu convencimento”, mas reforça que “há aparente ausência de planejamento”. Mas ressalva: nada impede que, caso a Prefeitura apresente estudos mais detalhados, essa ou aquela obra possa ser liberada;
  • A Prefeitura não se conforma e, dirigindo-se ao Presidente do Tribunal de Justiça de SP (Desembargador José Renato Nalini), pede que a decisão seja suspensa. Ele acata os argumentos e derruba a liminar, dizendo que “estudo deficiente não é ausência completa de prévia avaliação” (ou seja, pode haver falhas, mas isso não significa “falta de planejamento”);
  • Ao mesmo tempo, a Prefeitura também recorre da decisão do juiz, e o recurso vai parar na 1ª Câmara de Direito Público (sim, nos processos judiciais têm essas coisas doidas, de recurso correndo num lugar e pedido de suspensão correndo em outro). Essa decisão é analisada pelo Desembargador Marcos Pimentel Tamassia, que, acompanhado de forma unânime por outros dois colegas Câmara, confirma o decidido pelo Presidente do TJ, dizendo que a implantação das ciclovias “não está sendo feita a esmo e sem qualquer estudo”.

Olhem só que detalhe interessante: quanto mais a documentação é apresentada, quanto mais os juízes se aprofundam no assunto, mais eles vão se convencendo de que o projeto cicloviário não está sendo feito sem planejamento.

Isso não é nenhuma novidade para quem têm acompanhado e discutido a implantação das ciclovias de perto, mas deve realmente ser chocante para aqueles que estão acostumados a se informar por posts rasos nas redes sociais, ou então por comentaristas raivosos de revistas, rádios e jornais.

A decisão não é definitiva, mas já aponta o caminho que provavelmente o processo deve seguir (talvez, ao final, resulte em uma ou outra determinação de ajustes a serem feitos). Mas ela tira o chão do Ministério Público – é que além de atingir o principal argumento contrario às ciclovias, o magistrado derruba um a um todos os questionamentos feitos pela Promotora Camila Mansour, numa verdadeira aula sobre bicicletas e ciclovias.

Traduzindo do juridiquês, aqui está uma síntese das principais observações feitas pelo Desembargador:

  • A Prefeitura demonstrou, por documentos, que a implantação do sistema cicloviário não está sento feita sem planejamento, como diz o Ministério Público (ah, se fosse só o Ministério Público…)
  • A Prefeitura não é obrigada a fazer audiências públicas ou outro tipo de participação popular para executar um projeto de governo; a gestão municipal foi eleita para optar pelas políticas públicas que entende adequadas ao município.  (Destacamos, aqui, que os paulistanos foram ouvidos nas discussões do Plano Diretor e do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes. Há inclusive Câmara Temática de Bicicleta com representantes acompanhando a implantação do sistema cicloviário.)
  • Bicicletas são meio de transporte previsto pelo Código de Trânsito Brasileiro e têm direito a espaço na via pública, com preferência sobre veículos automotores, seja junto com outros veículos, seja ocupando faixas exclusivas.
  • Ciclovias e ciclofaixas inegavelmente oferecem maior segurança às bicicletas que a circulação no leito carroçável, junto com os carros.
  • Erros na implantação de ciclovias podem acontecer, e eles devem ser corrigidos, mas não podem ser utilizados para paralisar ou retroceder um projeto que se apresenta como alternativa para melhor mobilidade urbana (ou seja, falhas pontuais não podem deslegitimar o todo).
  • O uso da bicicleta conectado com demais meios de transporte tem a tendência de diminuir o desconforto na circulação de pessoas na cidade.

A decisão demonstra que até mesmo o Poder Judiciário (apontado por muitos como o mais conservador dos poderes) reconhece a importância crescente da bicicleta no contexto da mobilidade urbana, e considera importantes as medidas que incentivam o seu uso, em especial o projeto cicloviário em implantação.

Claro que é legítimo discordar; mas só é construtivo se a discordância for feita após observar, discutir e tentar compreender o assunto, não se resumindo a um loop infinito de uma frase solta. É isso o que se extrai da decisão do Des. Marcos Pimentel Tamassia: falta de planejamento não diz quase nada sobre o projeto cicloviário de São Paulo, mas revela bastante sobre a falta de informação de quem está falando.

(Se preferir, você pode acessar o texto completo da decisão clicando aqui.)

Um comentário sobre “Falta de planejamento nas ciclovias? A decisão do Desembargador Marcos Pimentel Tamassia: uma aula sobre bicicletas na cidade.

  1. Bom , aqui na região de São Miguel Paulista, Vila Progresso, Vila Mara o que percebi foi um estrangulamento das vias, sendo que as calçadas ampliadas servem de estacionamento para os carros dos moradores. Tive a curiosidade de ficar observando a ciclovia perto de casa e posso afirmar que durante o dia foi possível verificar 3 a 4 ciclistas usando a ciclovia. Sou a favor de ciclovias, mas tenho a convicção que alguns projetos foram feitos com a clara intenção de serem desfeitos em outra administração. Quem faturou com vendas de materiais que se deram bem.

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